Sempre Vivemos no Castelo, de Shirley Jackson (um original de 1962 que 48 anos depois finalmente chegou a Portugal – mais uma “descoberta” da Cavalo de Ferro), é considerado, compreensivelmente, um dos melhores romances norte-americanos de sempre.
Shirley Jackson, herdeira da corrente gótica de Edgar Allan Poe, faz jus a tal distinção com esta pérola da literatura, uma obra que cativa desde o início, não só por estar bem escrita, mas principalmente por ter um leque de personagens poderosíssimas que não deixam ninguém indiferente. Deste leque têm de destacar-se duas personagens femininas, Mary Katherine Blackwood, ou Merricat, e a sua irmã Constance. Elas são o motor da acção, que tem lugar numa típica cidade mesquinha do interior da América. Merricat mais activa e Constance mais passiva, mas nem por isso menos dominadora, constituem uma dupla aparentemente ingénua e pacífica que, contudo, se revelará de uma força e determinação enormes.
Pertencem à poderosa família Blackwood e, juntamente com o tio Julian, são as sobreviventes de uma tragédia que vitimou os restantes membros. Logo no início (neste livro não se desperdiçam palavras, nem tempo) percebe-se que este trio é ostracizado pela população local, embora não se perceba porquê. Esse é o mistério que prende logo o leitor, mas outros pontos de interesse há, sejam as já referidas personagens fortes ou as descrições de paisagens e ambientes, sejam o velho casarão onde moram, como o jardim que o rodeia. São ambientes e situações assustadoras, opressivos, constrangedores, quase sempre dentro de quatro paredes, com excelentes descrições de lugares, de objectos e de situações – cada objecto tem a sua história e o seu papel neste romance.
As duas irmãs, muito diferentes entre si, têm uma personalidade assustadora, até irritante, que não deixa ninguém indiferente. Apesar das diferenças, entendem-se às mil maravilhas e tudo farão (mesmo tudo) para se manterem sempre juntas.
Merricat, cheia de manias, vive num mundo de fantasia e (acha ela) de magia, onde se esconde de uma realidade que não entende nem aceita, rodeada por objectos especiais – daria uma bruxa perfeita, não fora este um livro, apesar de tudo, realista.
A casa, por si só, é uma personagem, e desempenhará um papel fundamental no crescendo de acção espoletado por uma alteração à rotina perfeita das irmãs. Será então revelado, em doses minuciosamente medidas, o mistério relativo ao desaparecimento da restante família e ao ostracismo a que são votadas pela população local.
Sempre Vivemos no Castelo é uma “pérola” imperdível e, agora, ficamos à espera de mais obras de Shirley Jackson, autora que morreu em 1965 com cerca de cinquenta anos e uma vasta obra publicada.