
A Cúpula (é assim que me vou referir a esta obra de Stephen King que foi editada entre nós pela Bertrand em dois volumes – um é indissociável do outro e só por ser demasiado grande não saiu num único livro) é um romance cativante, carregado de personagens interessantes, mas onde o protagonismo vai todo para a redoma que isola a pequena cidade americana de Chester’s Mill do resto do mundo.
Quando uma cúpula misteriosamente se instala sobre a pequena e típica cidade norte-americana, de imediato liberta e faz revelar o verdadeiro «eu» de muitos dos seus habitantes, e o resultado não é propriamente agradável. Sob condições adversas e de sobrevivência, os instintos animais do ser humano, pelo menos neste romance de quase mil páginas, vêm ao de cima.
É a cúpula que dita as regras, que condiciona as personagens, não apenas fisicamente, pois estão literalmente ali presos, mas principalmente em termos de comportamento, pois leva-as a agir de formas que pareceriam (se calhar às próprias) inimagináveis. Quase ninguém escapa, ou seja, quase todos protagonizam comportamentos que deixam muito a desejar, uma espécie de Dia (ou dias) do Juízo Final onde todos são condenados. Os podres que se descobrem, ou que se desenvolvem naqueles dias fatídicos, são de tal ordem que nos é difícil escolher uma personagem com que nos identifiquemos – caso sejamos pessoas boazinhas, claro!
O panorama traçado por Stephen King não é o mais agradável, mas é isso que nos prende ainda mais à leitura, assim como a sua técnica de escrita irrepreensível no que toca a cativar o leitor: cenas «cinematográficas», vivas, com ação, de grande ritmo e deixando sempre algo em aberto para lá se voltar mais tarde. E, claro, violência, muita violência, de pura brutalidade, e grandes catástrofes, desde quedas de aviões a incêndios dantescos. Trata-se de uma obra sem dó nem piedade.
De tal maneira fiquei preso às personagens que a dada altura pouco interesse me despertava já a resolução daquele que seria, afinal, o grande mistério: quem criou a cúpula? A isso não será alheio o talento e a capacidade de King para prender a atenção do leitor e encaminhá-la para onde deseja, pois se cingisse o enredo de A Cúpula à identificação da origem e propósito da redoma, não sobraria espaço e disponibilidade para muito mais.
Aviso já que é preciso grande disponibilidade do leitor em relação a A Cúpula e não o digo devido à sua extensão de quase mil páginas – isso, estando entretido, ultrapassa-se bem. Digo-o devido à grande quantidade de personagens, às ligações entre as mesmas – é preciso fixar muitos nomes e origens e destinos.
Presa por uma redoma mas, pior do que isso, enredada numa tenaz luta pelo poder (cuja palavra de ordem parece ser salve-se quem puder), Chester’s Mill vai viver os seus piores dias e constatar que por detrás de cada um dos seus pacíficos habitantes há um demónio.
A escrita é simples, mas ao mesmo tempo deixa muito sobre o que refletir. Há espaço para tudo: teorias da conspiração, bem à americana, que visam governos e militares, teorias filosóficas, religiosas e algumas até científicas, onde não faltam ligações alienígenas.
Um genuíno livro à Stephen King. E o que mais se poderia desejar?
Autor: Stephen King
Título Original: Under the Dome
Editora: Bertrand
Tradução: Ana Lourenço
Ano de Edição: 2013
Páginas: 536 (Livro I) + 488 (Livros II)
Sinopse: «Num bonito dia de outono, um dia perfeitamente normal, uma pequena cidade é súbita e inexplicavelmente isolada do resto do mundo por uma força invisível. Quando chocam contra ela, os aviões despenham-se, os carros explodem, as pessoas ficam feridas. As famílias são separadas e o pânico instala-se. Ninguém consegue compreender que barreira é aquela, de onde vem ou quando (se é que algum dia) desaparecerá.
Agora, um grupo de cidadãos intrépidos, liderado por um veterano da guerra do Iraque, toma as rédeas do poder no interior da cúpula. Mas o seu principal inimigo é a própria redoma. E o tempo está a esgotar-se…»