Bem antes de surgir a vaga daquilo a que se chama policiais nórdicos, cujo boom ocorreu com a saga Millenium de Stieg Larsson, já por cá andava há algum tempo o escritor sueco Henning Mankell, o «pai» do inspetor Wallander. E quando digo «por cá» refiro-me também a Portugal, pois há muito que a Editorial Presença edita os livros deste escritor, falecido em 2015.
Apesar de ter escrito outras obras cujo universo não é o do inspetor Wallander, foi com esta carismática personagem que Mankell mais ganhou notoriedade. Wallander não é só Wallander, é também a geografia que o rodeia, no caso, mais especificamente, a pequena povoação onde reside e onde é agente das forças policiais. Refiro-me a Ystad, uma pequena cidade costeira e portuária de origem medieval que, ao contrário do que sucede nas obras de Mankell, não é cenário recorrente de crimes, sendo antes um local pacato e acolhedor. Ystad fica no condado de Skåne, no sul da Suécia, e conta com cerca de 18 mil habitantes.
É um polo de atração turística, e muito por causa da dupla Wallander/Mankell. O sucesso dos livros do inspetor passou para o pequeno ecrã, gerando diversas séries Wallander, a mais conhecida sendo, talvez, a protagonizada pelo famoso ator britânico Kenneth Branagh, mas outras houve interpretadas pelos suecos Rolf Lassgård (protagonista do filme Um Homem Chamado Ove) e Krister Henriksson. Isto acabou por criar uma verdadeira indústria cinematográfica em Ystad, a ponto de serem lá erigidos em 2004, em antigas instalações militares, estúdios de TV e cinema, onde viriam a ser rodados muitos outros projetos, como a conhecida série sueco-dinamarquesa Bron: A Ponte. Sendo as aventuras e investigações de Wallander essencialmente sediadas em Ystad e na região, as filmagens ocorreram frequentemente no local, mesmo a versão inglesa de Branagh.
Aproveitando o interesse gerado à boleia do sucesso da saga Wallander, tanto a nível literário, como televisivo, foi criado o museu do cinema, Ystad Studios Visitor Center (ex-Cineteket), junto aos estúdios. E foi precisamente lá que fui parar sem ser programado, levado por uns amigos, quando em viagem por aquela região sueca.
Trata-se de um museu relativamente pequeno, mas imensamente interessante. Há reproduções de cenários (a esquadra da polícia, por exemplo) de várias versões de Wallander, assim como maquetes e adereços utilizados nas filmagens, a par de diversas
fotos expostas. O essencial da exposição é naturalmente dedicado a Wallander, mas há objetos e cenários de outras produções rodadas nos estúdios vizinhos, como a já referida Bron/Broen, além de outras desconhecidas do público português. Há também espaços dedicados às crianças, mas por certo mais vocacionados para as escolas locais.
Em suma, trata-se de um museu pacato e acolhedor, um espelho fiel, nestes termos, da cidade de Ystad, para onde o visitante deve dirigir-se a seguir (o museu fica nos arredores, mas é tudo
perto) se quiser continuar a seguir os passos de Wallander. Assim fiz, e ainda bem.
A verdadeira Ystad
Em Ystad são muitos os locais associados às investigações de Wallander, principalmente Mariagatan, a rua onde «vive» Wallander, ou a esquadra da polícia local. O melhor mesmo é começar a passear, a pé, pelas ruas do centro, com as suas belas casas tipicamente nórdicas e ir procurando os locais associados à famosa personagem. Mesmo para quem não conhece a obra de Mankell (era o meu caso na altura, confesso), Ystad é um lugar merecedor de visita, sem qualquer dúvida.
Entusiasmado com o que acabara de conhecer, finalmente lancei-me às leituras das obras de Mankell (com Wallander como protagonista), tendo começado pela edição de bolso em inglês de Sidetracked (em português A Falsa Pista), bem mais barata do que as edições em português, pois custou apenas cinco euros. E foram cinco euros muito bem gastos, pois desde as primeiras páginas deixe-me enredar por um mistério muito bem tecido, numa história credível e vivida em cenários por onde passara dias antes. Fiquei com a impressão de que andei a «dormir» ao não me ter dedicado antes a conhecer a escrita de Mankell, mas a verdade é que há alturas na vida para se fazer determinadas coisas, e esta foi, certamente, a minha para me dedicar ao autor sueco. Entusiasmado com a primeira leitura, já me lancei ao segundo, Um Homem Inquieto, e posso garantir que não vou ficar por aqui.
Wallander em números
Para que não restem dúvidas sobre a dimensão do sucesso das obras de Mankell, aqui ficam alguns números recolhidos no guia Ystad’s Best Guide to Wallander, disponível no museu.
1991 – Primeiro livro (Assassino sem Rosto/Mördare utan ansikte)
12 – Obras de Mankell com Wallander como protagonista
44 – Línguas para as quais os livros foram traduzidos
100 – Países onde foram publicados os livros
44 – Filmes ou episódios rodados na região de Ystar-Österlen
(Fotos de Rui Azeredo)