Nunca pensei, mas hoje digo com convicção «Ich Bin Ein Berliner»

DSC_0132 (2).JPGNunca imaginaria, há uns anos, que um dia pudesse vir a proferir com convicção a famosa frase de JFK, mas hoje em dia a verdade é que a digo com muito gosto e toda a convicção. Assim sendo, aqui vai: «Ich bin ein berliner.»
Tendo crescido a ler livrinhos de BD do Major Alvega e outros de guerra, especialmente da II Guerra Mundial, habituei-me, injustamente, é certo, a associar a Alemanha a nazis. «Achtung» e «schnell» eram das poucas palavras que conhecia em alemão, aprendidas em balões de BD saídos de bocas de malvados e carrancudos soldados germânicos. Assim sendo, sem querer fui pondo de parte a cultura germânica, ligando-me mais a influências inglesas, francesas e americanas.
Do lado de lá do Muro de Berlim também não vinha nada de bom, pois apesar de todo o secretismo tinha-se a perfeita noção de que ali, na República Democrática Alemã, não se vivia nada bem… exceto alguns privilegiados.
Dessa forma, nunca me ocorreu pensar numas férias na Alemanha. Até um dia, impulsionado pelos voos low-cost. E, meramente por uma questão de preços, Berlim foi o destino eleito. E que bela surpresa se revelou. Por norma, encontro pontos de interesse em praticamente todos os locais que visito, mas Berlim foi daquelas cidades em que, sem falsidade nem exagero, pude dizer: «Moraria aqui com gosto.»

Grande, mas sossegado
DSC_0212.JPGVale bem a pena desfrutar da cidade ao ar livre, sentir a rua, percorrer as avenidas amplas e ordenadas, entre edifícios majestosos, mas nada intimidantes, aproveitar os jardins e os muitos canais que ajudam a cidade a respirar. Esplanadas não faltam, nem cafés de requinte, ou restaurantes de todos os pontos do globo, sendo obrigatório provar a cerveja local.
O ambiente é calmo e sossegado, exemplificado no trânsito, apesar da grande dimensão da cidade, pois tudo tem o seu espaço e o seu ritmo, sem sufocos, sem pressas.
A cada passo, surge a inevitável presença do que resta do Muro de Berlim, alguns troços ainda intactos, outros em escombros por ação dos caçadores de relíquias, ou então demarcado no chão em todo o seu comprimento, uma mera recordação de uma linha que chegou a dividir não só uma cidade, mas grande parte do mundo. Nos pontos mais importantes, há explicações, enquadramentos e evocações do que se foi passando junto ao mais famoso muro do mundo.
DSC_0230.JPGBerlim foi uma cidade desunida que agora representa unidade e um dos locais onde isso será mais visível e palpável será a famosíssima Alexanderplatz. Esteticamente, não é das praças mais bonitas do mundo, mas a variedade de gente e de culturas que a «habita», sendo um ponto de encontro de locais e visitantes, poderá ser um belo resumo do que representa hoje Berlim.  Toda a gente lá passa e para, conversa-se, olha-se, respira-se.

Aceitar o passado
O modo como os alemães enfrentam o passado, sem o renegarem, é uma lição para todos, nomeadamente para os portugueses que, passados tantos anos, ainda sentem tanta dificuldade em encontrar a melhor forma de lidar com os seus quase cinquenta anos de ditadura. Esta abertura a discutir o passado, em vez de o varrer para debaixo do tapete, foi uma coisas que mais me seduziu nos alemães.
Em Berlim, o passado nazi não é apagado, basta ver, por exemplo, a bela e recheada ala dedicada a esta época no museu de história da Alemanha, o Deutsches Historisches Museum.
DSC_0054.JPGE o que dizer da RDA? O museu da DDR junto ao rio Spree, do outro lado da Berliner Dom, é um excelente espaço, bem equipado e recheado, traçando um retrato bem conseguido sobre como era a vida na Alemanha Oriental nos tempos da influência soviética, sem esquecer o devido enquadramento político e social. Educativo, formativo, mas também descontraído, reproduz o ambiente doméstico, exibe um Trabant, jornais da época e material diverso.
DSC_0307.JPGSaindo um pouco mais do centro da cidade, e para quem tiver mais estômago, é de visitar o Berlin-Hohenschönhausen Memorial, onde funcionava, nomeadamente, a antiga prisão da STASI, polícia secreta da RDA, para onde eram sorrateiramente levados, e depois muito maltratados (no mínimo), todos aqueles de quem o regime desconfiava, com ou sem razão.
IMG_0825Mais ligeiro, mas igualmente bem montado e cativante, o moderno museu dos espiões, Deutsches Spionage Museu (no centro, na Leipziger Platz), exibe toda a parafernália dos espiões ao longo dos anos, mais parecendo a sala de equipamentos de James Bond. Por falar de 007, este também tem direito a uma pequena ala, na única zona dedicada à espionagem de ficção. Sendo Berlim uma das capitais mundiais da espionagem, não terá sido complicado montar este espaço, e isso, aliado a uma boa dose de imaginação, permitiu engendrar um «pequeno» museu capaz de cativar todos os públicos, com algumas bem conseguidas atividades para os mais jovens.

O que sobra do Leste
IMG_0814.JPGBerlim, desde a reunificação (anexação?) alemã, está constantemente em remodelação, com novos prédios a substituir a cinzenta arquitetura da RDA. Pouco restará do que pertenceu em tempos à Alemanha de Leste, mas ainda há nas ruas uns vestígios, que funcionam mais como curiosidades turísticas do passado. É possível, por exemplo, circular num velho Trabant, que emana do seu escape um fedor que levará os mais velhos a recordar, sem saudades, os seus carros poluentes dos anos 70 e 80. Já não achava possível ver sair tanto fumo de um único escape.
E nas passadeiras é impossível não sorrir diante do simpático Ampelmann. Quem é ele? O bonequinho, vermelho ou verde, que nos semáforos dá instruções aos peões e que é hoje um símbolo da Berlim unida.DSC_0455.JPG(Texto e algumas fotos originalmente publicados no blogue O Et(h)er dos Dias) http://www.etherlive71.com

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Ver um filme através de um livro

 

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Sempre gostei de ler um livro e depois ver o respetivo filme, quando o há. Agrada-me comparar o que visualizei ao longo da leitura com a visualização formada pelo realizador e pela sua equipa. Quase nunca bate certo e eu fico invariavelmente a perder na comparação, mas é um exercício divertido. E, depois, há os raros momentos de glória que me levam a pensar: «Foi mesmo assim que eu imaginei a cena!»
Houve, no entanto, um caso em que ler o livro foi mesmo a minha única opção. E.T. – O Extraterrestre, de Steven Spielberg, estreou em Portugal em dezembro de 1982 numa altura em que, por motivos de saúde, fiquei uns meses acamado. Fascinado com filmes como Encontros Imediatos do 3.º Grau ou Os Salteadores da Arca Perdida, uma nova obra de Spielberg só por si já seria o suficiente para me deixar desesperado. Mas, com a agravante de abordar um tema que me era querido (ETs amigos) a ansiedade redobrou. Na primária até ganhei um prémio de BD com uma história de aliens que chegam em paz à Terra, mas diga-se que terá sido mais pelo argumento do que pelos desenhos.
Como à época os filmes demoravam o seu tempo a cruzar o Atlântico (E.T. estreou em junho de 1982 nos EUA), muito se foi escrevendo por cá sobre Elliot e o seu amigo de outro mundo. Li, recortei e guardei tudo o que pude e fui formando o filme na minha cabeça, sem saber se daí a uns meses ainda o apanharia nos cinemas. Depois, socorri-me da melhor ferramenta possível para conhecer a história do E.T. A adaptação literária do filme, editada na saudosa coleção de livros bolso da Europa-América dedicada à ficção científica. É o número 44, logo a seguir a Blade Runner e antes de Batalha no Espaço – Os Jovens Guerreiros, para quem não sabe, a Galáctica original. E li o livro, que sendo uma adaptação direta do filme era fiel ao mesmo. Socorrendo-me das fotos já conhecidas, montei o filme na minha mente. E li o livro outra vez, pois sobrava-me o tempo e faltava-me a sala de cinema.
O escritor norte-americano William Kotzwinkle, que hoje se dedica essencialmente à literatura infantil, sem ser publicado em Portugal, foi o meu herói da altura, o meu escritor preferido, pois deu-me a possibilidade de «ver» o filme que eu tanto queria ver e que não sabia se alguma dia o veria – talvez num futuro distante num dos dois canais de televisão que havia à época. Em 1982 não tínhamos a garantia de um dia podermos ver um filme perdido, pois os videoclubes e as cassetes de vídeo eram à data algo ainda distante de um comum português. Até hoje, naturalmente, já vi o filme várias vezes em vídeo, e até na versão dobrada em português. Mas, na altura, isso era algo tão distante como assistir ao vivo a uma corrida de Fórmula 1 ou um dia vir a ser jornalista ou andar de avião.
Semanas a passar, formando meses, eu em casa, o E. T. ainda nas salas de cinema. Na época o tempo de vida de um filme nas salas era bem maior, mas se saísse de exibição a minha única esperança seria uma matinée de domingo na sociedade recreativa local, com uma fita gasta cheia de cortes devido ao uso constante. Foi assim, aliás, que vi pela primeira vez no cinema um filme de 007, no caso Moonraker – Aventura no Espaço, numa sala mal escurecida, em cadeiras duras, num piso sem inclinação e com excelente vista para as cabeças da frente, tudo envolto numa cortina de fumo de tabaco.
Mas não foi preciso chegar a esse ponto. Assim que regressei ao ativo, algo que tratei de fazer quase de imediato foi rumar ao agora encerrado cinema Berna, em Lisboa, sozinho, porque tinha a impressão de que eu seria a única pessoa que conhecia que ainda não tinha visto o filme.
E se valeu a pena! Ainda hoje E.T. é o filme da minha vida e, diga-se, era exatamente como eu o imaginara com o recurso ao livro, enriquecido pelos meus recortes. Por isso, nunca esquecerei E.T. – O Extraterrestre, de Kotzwinkle, um dos livros da minha vida. Não é, visto ao fim de todos estes anos, a pérola literária que me pareceu na inocência da adolescência, mas ajudou-me a imaginar algo que eu temia não poder alcançar, levou-me lá, e é para isso mesmo que serve um livro, ou não é?

(Texto e foto originalmente publicados no blogue O Et(h)er dos Dias) http://www.etherlive71.com

Nova Iorque é maior vista de cima

DSC_0311.jpgSempre achei que ao pisar Nova Iorque iria ficar assoberbado com a altura dos arranha-céus. São impressionantes, é verdade. O céu azul praticamente só se vê em frinchas, as sombras dominam a paisagem, e o sol fica reservado para os telhados dos mais altos edifícios. Mas, ainda assim, quando me livrei do trânsito infernal e finalmente pus os pés em Nova Iorque fiquei com sensação de que os prédios não eram tão altos como os imaginara com a ajuda de tantos filmes, fotos e livros. Altíssimos, sem dúvida! Mas pensei que iria ficar mais esmagado.
Precisei de ir «lá acima» para sentir o que esperava viver «lá em baixo». A grandiosidade nova-iorquina em termos de betão é mais palpável do alto, não de um avião, mas sim de um dos edifícios mais imponentes, porque com som e sem o isolamento total de uma janela toda a experiência se intensifica. As sirenes constantes da polícia e bombeiros, uma realidade omnipresente e não uma ficção cinematográfica, ironicamente alimentam de vida a cidade, já que os sons individuais das pessoas não sobem tão alto. Ao longe veem-se os aviões a circular de e para os aeroportos que servem Nova Iorque e é inevitável pensar que um dia dois houve que se aproximaram demasiado.
Bem aconselhado por um nova-iorquino residente em Portugal, o escritor Richard Zimler, a escolha recaiu sobre o observatório do Top of the Rock, no Rockfeller Center, onde se evitam as longas filas do Empire State Building e, além disso, se tem vista privilegiada sobre este último.
Foi assim no alto do Top of the Rock que finalmente me senti esmagado por Nova Iorque, onde a noite me comprovou que se há uma cidade-luz, esta será a cidade das luzes. Aqui senti-me no centro do nosso mundo, e soube bem, e isso fica para sempre.
Depois, desci, não vi o Jimmy Fallon e mergulhei naquele zumbido constante de motores, conversas, risos, música, entre luzes e néons e passei a ser uma partícula de uma paisagem deslumbrante observada por alguém que se terá cruzado comigo no outro elevador.

(Texto e fotos originalmente publicados no blogue O Et(h)er dos Dias) http://www.etherlive71.com