João Aguiar, autor de uma vasta obra literária, que engloba o género histórico, fantástico e juvenil, comemorou os seus 20 anos de carreira com “O Sétimo Herói”, lançado pela ASA. Autor versátil e imaginativo, contou como gere tantos géneros e tanta imaginação.
Ao fim de vinte anos de careira e tantos géneros abordados – histórico, juvenil, fantástico… – é capaz de dizer qual o seu preferido?
Sou, com muita facilidade! É o que estou a escrever na altura. Ou seja, quando estou a escrever um livro tem de haver um envolvimento passional, se não houver não o acabo e já tem acontecido. Não me preocupo com o género que vou fazer quando vou escrever um livro, preocupo-me com a ideia, se me apanha e interessa o suficiente. O que estou a escrever na altura é sempre aquele que gosto mais.
É capaz de começar a escrever um livro sem saber a que tipo de público vai ser dedicado?
Talvez… se excluirmos da resposta o caso do Bando dos Quatro, que são especificamente para a área infanto-juvenil. Isto por uma razão simples: aí existem responsabilidades acrescidas porque estou a escrever para um público particularmente vulnerável. Não devo dar determinados modelos. Aquilo que num livro para gente mais crescida não tem a mínima gravidade pode transformar-se num modelo negativo atractivo. Quando escrevi “O Sétimo Herói” não me preocupei em saber para que idade era, de todo…
– Foi surgindo?…
Foi, foi.
Mas como é que decide quando vai escrever mais um livro do Bando dos Quatro?
Há um certo acordo com a editora (Asa), não é uma coisa rígida, mas como é uma colecção tem de haver dois a três volumes por ano para que os leitores não se desinteressem. Isso é uma coisa que tenho de ter em conta. Tenho, de certo modo, de me obrigar, se quero manter a colecção, a escrever no mínimo dois, mas o ideal é três. Isso cria obrigações, daí que a escrita do Bando dos Quatro não seja tão instintiva. Mas isso é inevitável. Eu trabalhei no programa televisivo Rua Sésamo, que parecia muito espontâneo, mas não havia nada de espontâneo naqueles programas. Havia muita inspiração mas que era sujeita a princípios, justamente pela vulnerabilidade e fragilidade do público-alvo.
E essa “obrigação” de ter de escrever O Bando dos Quatro não o impede de fazer avançar outros projectos que gostaria de desenvolver na altura?
Até agora não impediu, tenho sido capaz de negociar. É uma questão de organização e de trabalho.
Consegue escrever mais do que um livro ao mesmo tempo?
De um modo geral não, mas tenho tentado. Dava-me jeito, mas não. A não ser em casos muitos especiais e episódicos.
Iniciou-se na escrita através do romance histórico. Porquê essa via?
Gosto muito de História, é uma paixão dos velhos tempos. Há vinte anos, talvez influenciado por livros que tinha estado a ler, veio a vontade de tentar recuperar um passado nosso, que era um legado anterior à nacionalidade.
Tinha a sensação que para as poucas pessoas que sabiam alguma coisa de História Portugal tinha nascido no dia em que D. Afonso Henriques bateu na mãe. A minha ideia foi tentar chamar a atenção para toda uma vivência anterior à nacionalidade.
Quando decidiu que ia ser escritor?
Para essa pergunta há duas respostas. Aos nove anos comecei a escrever um livro – portanto nessa altura devo ter decidido que ia ser escritor –, mas é claro que não acabei. Trinta e tal anos depois escrevi “A Voz dos Deuses”, mas não me atribuí imediatamente o estatuto de escritor. Porque sabia que há muitos escritores de um só livro, não sabia como ia ser a minha vida profissional como jornalista e, portanto, durante os anos seguintes sempre me apresentei como um jornalista que escreveu um livro. Só quando percebi que começava a ter público mais fiel e quando, em 1992, me vi sem trabalho como jornalista, aí pensei: é a altura.
Para escrever um livro como “A Voz dos Deuses”, sobre Viriato, teve de se documentar bastante?
Fiz pesquisa durante ano e meio, mas escrevi-o em seis meses.
O romance histórico, para ser rigoroso, limita a imaginação?
No meu caso não. Os acontecimentos históricos nunca são suficientes, há sempre coisas que têm de ser completadas. O desafio está justamente em preencher as lacunas sem trair a História. Isso é um trabalho tão criativo como se fosse escrito de novo. Tem de se criar personagens e normalmente é a partir delas que está todo o trabalho de tentativa de reconstituição de época, porque às personagens históricas – sobretudo os heróis –, falta-lhes novidade. No caso de Viriato, sem o trair, não dá para o pôr a viver suficientemente, daí que, embora “A Voz dos Deuses” seja a vida de Viriato, a grande figura é o seu companheiro de armas.
Os romances históricos podem ser um complemento às aulas de História?
Podem ser sempre no sentido de despertar interesse e falar à imaginação.
“O Sétimo Herói” surgiu para aproveitar a onda de O Senhor dos Anéis?
Há uma diferença, é que este fantástico não se leva completamente a sério. No livro há sempre uma frase de sorriso ou riso. Nunca se trata de levar completamente a sério o que está a acontecer, embora haja uma história perfeitamente estruturada. Mas todo o diálogo é carregado de humor. Não é propriamente um Tolkien, é Tolkien que se ri de si próprio. Aliás, acho que foi o que fez grande falta ao próprio Tolkien. A certa altura, em O Senhor dos Anéis, ele tomou-se demasiado a sério.
É difícil criar de base um mundo novo?
Para mim não foi difícil. É muito coerente dentro das suas leis, que não são exactamente as nossas. Dentro desse mundo funciona tudo com leis muito claras.
A literatura light poderá chamar leitores?
Não sei. Tenho medo da literatura light. Por um lado pode ser o início, mas também pode ser o fim. É tudo muito complicado de definir. Eu iria mais para o que está bem escrito e mal escrito. Sherlock Holmes era literatura light! Não se pode ignorar.
(Entrevista realizada em 2004)