Jon Fasman – Entrevista a propósito de “A Biblioteca do Geógrafo”

got-fasman2O norte-americano Jon Fasman, nascido em Chicago em 1975, tem uma promissora estreia como escritor como se pode constatar ao ler o romance histórico, cheio de suspense, “A Biblioteca do Geógrafo”, editado em Portugal pela Gótica e Círculo de Leitores.
A obra, que tem no centro da acção uma pequena e imaginária cidade norte-americana chamada Wickenden, acaba por levar os leitores a viajar no tempo – o maior recuo é até ao século XII – e no espaço – Sicília, Moscovo, Letónia, etc. Al-Idrisi, que existiu na realidade na Sicília, é um filósofo muçulmano espanhol que estava na posse de uma extraordinária colecção de objectos. A colecção, ligada intrinsecamente aos segredos da alquimia e à vida eterna, foi roubado ao filósofo em 1154 e os seus objectos acabaram espalhados pelo globo. Mais de oito séculos depois o jovem jornalista de província Paul Tomm acaba envolvido nesta história quando começa por fazer o simples obituário de um professor discreto que, afinal, era portador de muitos segredos.
Nesta entrevista Jon Fasman explica como criou um romance que segue na senda das grandes obras do seu mestre inspirador: Umberto Eco.

Porque escolheu para temas base do seu romance a alquimia e a vida eterna?
A vida eterna sempre foi alvo da curiosidade de toda a gente. Inspirou muitas pesquisas e pensamentos. A alquimia fez parte dos meus estudos universitários e já me era familiar. Para mim é o princípio da Ciência, antes de ser inventado o método científico. Foi essa espécie de formato intelectual que me inspirou.

Mistura ficção com eventos históricos reais – isso implicou muita pesquisa? Como foi no caso da alquimia? Teve de estudar a fundo a matéria?
Exigiu muita pesquisa, mas, se calhar, menos do que se poderia pensar, porque se pode sempre recorrer à ficção. Pode-se parar e inventar algo. Como leitor sempre gostei de autores como Eco e Conan Doyle que misturam factos e ficção com muita liberdade e podem ser lidos de uma forma em que sente esse jogo. Como escritor também aprecio este processo.

Viveu na Rússia, nomeadamente em Moscovo, e no conteúdo deste romance nota-se que essa experiência de vida foi uma grande fonte de inspiração.
Quando lá vivi ouvi muitas histórias que aproveitei para o livro. A minha mulher viveu lá até aos três anos e o pai dela era jornalista e tinha muitas histórias para contar. Moscovo e a Rússia, na generalidade, estão cheias de lugares fascinantes que as pessoas gostam de descrever. Uma das formas de o fazerem é contando histórias. Dessa forma muitas das histórias que ouvi quando estive lá acabaram por entrar no meu livro.

O seu objectivo, ao escrever um romance, é apenas o de contar uma história, ou, paralelamente, pretende ensinar algo aos seus leitores?
O meu objectivo principal ao escrever é entreter os meus leitores, é quase o único fim. Gosto de falar dos lugares por onde passei porque também foi fascinante para mim. Viajar é muito interessante e uma experiência bastante rica, mas escrevo mais com o propósito de entreter de que de ser pedagógico.

O protagonista de “A Biblioteca do Geógrafo”, Paul Tomm, é um reflexo de Jon Fasman?
Acaba por ser um pouco… Ele é como eu era aos 23 anos no sentido que de naquela idade tudo o que se fez na vida é ter ido para a escola. E acaba por descobrir que o mundo é muito maior do que imaginava. Há tantas escolhas a fazer e ele não se sente apto a optar por nenhuma delas. Nesse sentido foi algo que senti e que quis que estivesse presente no livro.

got-bibliotecaGostaria de ter vivido uma ventura como a que ele viveu?
Não… ele é provavelmente melhor jornalista do que eu. Uma das coisas que mais gostei de fazer neste livro foi contrastar os capítulos cuja acção de decorre muito, muito longe, com a história de Paul, que, na realidade, nunca esteve em lado nenhum.

A pequena cidade de Wickenden existe mesmo ou é fruto da sua imaginação?
Wickenden é baseada na pequena cidade onde estudei na universidade, e da qual gostei muito e sobre a qual sempre quis escrever. É uma cidade de Lincoln, em Washington, Connecticut, de onde é proveniente a família da minha mulher.

Onde vai decorrer a acção do seu próximo romance?
Em Moscovo, porque ainda não tinha relatado com profundidade todas as minhas experiências lá vividas. Ainda há muita coisa no ar, a cidade fascina-me e quis lá voltar.

As personagens de “A Biblioteca do Geógrafo” são baseadas em pessoas reais, que conhece mesmo?
De certa forma. Por exemplo, o editor do Tomm Paul no jornal é baseado no meu sogro, o de um professor é baseado num professor que tive na universidade, mas os factos são todos ficção.

A sua experiência no jornalismo foi útil para escrever este romance?
Foi uma ajuda enorme. O jornalismo foi a minha primeira profissão e, para ser escritor profissional, aproveitei o que então aprendi – ser curioso, colocar questões. Sem ter aprendido isso nunca poderia ter escrito ficção.

Os jornalistas são mais capazes de escrever boas histórias em romances do que um escritor dito “convencional”?
Não, depende do jornalista ou do escritor.

Mas prefere ser jornalista ou escritor?
Os dois. Não quero desistir de nenhum. Quando escrevo um romance sento-me à secretaria e vivo o que está na minha mente. No jornalismo ando pelo mundo fora a colocar questões. Conheço muitas pessoas com quem tenho conversas bastante interessantes. Quando escrevo fecho-me muito. As duas são uma excelente combinação.

O que leva os leitores, na actualidade, a sentirem tanto fascínio por romances em que se mistura ficção com temas da História?
Provavelmente, para arranjar um escape. Vivemos numa época terrível com muitas inquietudes e livros como este proporcionam uma saída para se escapar até ao passado. O passado é muito simples porque é, apenas, passado. Não tem a complexidade da actualidade. Por ser passado parece ser um local mais seguro para se viver.

Não será, também, uma consequência do sucesso de “O Código Da Vinci”, de Dan Brown?
Talvez, mas já antes do “Código Da Vinci” havia livros deste tipo: Ian Pears, Umberto Eco já escreviam assim. “O Código da Vinci” tornou-se um ponto de referência para as pessoas do marketing e da publicidade.

Viveu recente mente em Londres. Foi difícil conviver com o sentimento de anti-americanismo que cresceu na Europa após a Guerra ao Iraque?
Acho que não há tanto anti-americanismo como as pessoas pensam que há. A maior parte dirige-se a um governo que existe no meio país.

(Entrevista realizada em 2005)

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