Carlos Ruiz Zafón fez-nos esperar praticamente quatro anos até nos pôr a jogar “O Jogo do Anjo”. Depois de “A Sombra do Vento”, que convenceu a crítica e os leitores de todo o mundo, a expectativa era enorme em relação à nova obra de Zafón, ainda para mais sabendo-se que o cenário era o mesmo, Barcelona, só que desta vez uns anos antes. Mas avise-se desde já que não se trata de uma prequela, pois embora haja até personagens comuns, as duas histórias podem ser lidas em separado e pela ordem que se pretender.
Mas este livro tem muito em comum com “A Sombra do Vento”: há amores impossíveis, livros proibidos, escritores frustrados, mistérios com o seu quê de sobrenatural e, claro, Barcelona. E é aqui, precisamente, que reside a grande força e, simultaneamente, a grande fraqueza desta obra. Por um lado, quem gostou do enredo e dos ambientes de “A Sombra do Vento” não pode deixar de gostar do seu equivalente em “O Jogo do Anjo”, mas, por outro lado, não deixa de surgir um sentimento de decepção. Uma das forças de “A Sombra do Vento” foi precisamente o efeito surpresa e é precisamente esse ingrediente que falta agora. É tudo muito igual, bom mas igual. Claro que quem não leu o primeiro livro pode contar com o tal efeito surpresa, mas, obviamente, os outros também gostariam de algo mais que os surpreendesse. Chega a haver, em alguns momentos, uma sensação de déjà vu.
“O Jogo do Anjo” é uma obra muito bem escrita, bem estruturada, com personagens consistentes e coerentes e onde Barcelona volta a ter um grande protagonismo, já que a recriação dos ambientes da época fazem um retrato perfeito do que terá sido a vida na cidade catalã, principalmente na suas ruas e cantos mais sombrios.
Em “O Jogo do Anjo” a acção decorre no início do século XX, mais propriamente nos anos 20, e a história tem por protagonista David Martin, um aspirante a escritor que trabalha como jornalista. Um dia é desafiado a escrever uma história em folhetim no seu jornal e assim nasce “Os Mistérios de Barcelona”. Estas histórias de crime e sangue passadas nos mais escuros recantos de Barcelona tornam-se um sucesso, mas não é esse o tipo de livros que David quer escrever. Tendo por padrinho Pedro Vidal, membro de uma das mais importantes famílias de Barcelona, vê-se perante a possibilidade de trabalhar para uma editora, para a qual deverá escrever uma série mensal, “A Cidade dos Malditos”, ao estilo das histórias que publicava no jornal.
Entretanto, David, desafiado por um misterioso editor, aceita escrever por encomenda (a troco de uma verba fabulosa) uma estranha obra. Nada mais nada menos que um livro equivalente a uma Bíblia ou a um Corão que sirva de fundamento para uma nova religião. Para trás fica sempre o seu projecto pessoal e isso, aliado ao facto de Pedro Vidal se afirmar como escritor graças a um livro que foi totalmente “trabalhado” por Martin (sem que Vidal o soubesse), só vai servir para fazer crescer a sua frustração. Deprimido deixa-se ainda envolver pelo ambiente sombrio gerado pela casa onde habita, uma espécie de mansão assombrada sobre a qual pouco sabe. É ao investigar o passado dos antigos habitantes daquele casarão que se começa a envolver num mundo obscuro de crime, traição e desespero, com laivos de sobrenatural. É aqui que Zafón melhor exprime as suas capacidades, na descrição destes mundos quase sobrenaturais, destes ambientes tenebrosos e fantásticos, onde a dor e o sofrimento imperam e onde ninguém é o que parece. A eterna luta ente o Bem e o Mal, o vender da alma ao Diabo são elementos cruciais nesta história, onde, mais uma vez, quem escreve é inevitavelmente um sofredor.
A dada altura o romance torna-se numa história policial, lidando o autor muito bem com as várias tramas que criou, atando todas as pontas, menos as que quis mesmo deixar em desapertadas, permitindo a quem lê fazer as suas próprias interpretações.
Para quem só tinha lido “a sombra do vento”, este romance tem algumas pinceladas demasiadamente “fantásticas”, que causam algum mal estar.
Só depois de ler “Marina”, me apercebi que o mundo de Zafón é assim mesmo, onde muitas vezes o que parece, não é.
E assim eu, que me tinha deliciado com “a sombra do vento”, passei a ser um adepto incondicional de Ruiz Zafón
estou curioso..
a sombra do vento é uma fábula de uma grandiosa sem precedentes!
adorei o blog meu caro!!! parabéns, visitarei sempre!
Pingback: Carlos Ruiz Zafón passa a ser editado na Planeta – “Marina” chega depois do Verão « Porta-Livros
Já li os dois livros e de ambos gostei. É tal como diz, lê-se pela ordem que se quizer e apreende-se da mesma forma, sem falhar nada. Li A Sombra do Vento primeiro e depois de ter lido o Jogo do Anjo, repeti a Sombra do Vento. Não procurava nada de especial, apenas queria relembrar. E agora, espero em breve, ir ler Marina.
Pingback: O Prisioneiro do Céu, aguardado novo romance de Carlos Ruiz Zafón, chega a Portugal a 28 de Junho | Porta-Livros
Pingback: «O Labirinto dos Espíritos» conclui a tetralogia do Cemitério dos Livros Esquecidos de Carlos Ruiz Zafón | Porta-Livros